
Onde está o inferno, onde ele repousa?
Bem, o inferno reside na eternidade e de fato ele “há” com dito nas tradições.
Entretanto, assim como o análogo do céu pode ser encontrado na paz interior do estado de graça e da felicidade, o análogo ao inferno pode ser sentido nos estados de agonia, desespero e melancolia quando estes são experiencias que nos absorvem quase que por completo, como um nevoeiro escuro que nos engloba, sufoca e desde o qual surgem mil tentáculos que nos prendem e inibem qualquer escapatória;
Tentáculos cujo corpo e origem esconde-se na escuridão, obscurecido por um amalgama de erros que não compreendemos e protegido pelo medo que temos de olhar profundamente sob o rígido selo que fecha o nosso coração em agonia; uma falsa cobertura de prazeres que constantemente nos dizem “não mire dentro da escuridão, é terrível! Tome esta pilula e descanse”.
Por fim, consciente da procrastinação, o “Eu” aponta para si mesmo e diz:
“sou o culpado, sou um miserável, sou um merda e sou incapaz de melhorar”.
A auto -flagelação começa; estes julgamentos que potencializam ainda mais a dor.
Este em um dos males satânicos que afligem o homem:
A dor do “Ser” que poderia ser e não foi, a condenação eterna e auto-imposta pela fraqueza de jamais realizar-se. No topo disto, a consciência de culpa e a noção de impotência.
Isto foi exatamente aquilo pelo qual o próprio Lúcifer passou ao ser expulso dos céus, cristalizando-se eternamente na dor da negação de suas próprias possibilidades.
Sendo o maior dentre os anjos, o mais alto da hierarquia, tornou-se o pior dentre os demônios, o mais vil e terrível.
Condenando a si mesmo por suas escolhas, ele é também obrigado por sua própria consciência a lembrar-se do que perdeu e a culpar-se eternamente por isto.
Cheio de vaidade, aponta então para Deus tentando aliviar-se de sua infinita amargura, a qual por fim traduz-se na revolta contra tudo o que há de bom no mundo, pois matou tudo que havia de bom em si mesmo.
E isto é também aquilo que ele tenta instaurar em cada um de nós com a amargura melancólica decorrente dos erros e das tragédias, para que – enquanto ainda temos tempo de mudar – venhamos a acreditar que já vivemos condenados e que o mundo nada vale.
Quando seguimos este caminho, tao romantizado, por exemplo, na música e na filosofia modernas, caímos na armadilha de acreditarmos que a depressão, o cinismo, o niilismo e a revolta são as únicas e ultimas respostas e consequências para nossas dores.
Trata-se, afinal, do papel do tentador e acusador, e ao deixarmos de resistir a isto nos tornamos ambos suas vitimas e colaboradores, expandindo o mal no mundo e derramando-o sob nós mesmos, criações divinas.
— Marcelo Jatobá de Araújo Jr.